2020







 

Gancho coloca desafios e modos de investigar coreograficamente as oposições do corpo no espaço: as trações e os vetores de força que atuam nele. Durante um mês a artista Thais Ponzoni realizou performances diárias fazendo uso de ganchos amarrados na roupa do corpo estabelecendo vetores de força de oposição, ação e reação e gravidade. Com o apoio do projeto Poesia sobre os escombros e o projeto Transversalidades Poéticas do Centro de Referência da Dança de São Paulo foi possível realizar este trabalho durante a pandemia. 
Em São Paulo durante o início do confinamento (isolamento social) realizei performances, modos de investigar coreograficamente as oposições do corpo no espaço: as trações e os vetores de força que atuam no corpo e a resistência em relação ao corpo instalado em uma janela.  Esse estudo foi transmitido durante a quarentena por lives ou stories todos os dias pela plataforma do Instagram. As transmissões foram gravadas a fim de definir um trajeto das experiências. 

 

Abril 2020 Performance
28 abril de 2020
Utilizei um extensor fixado na grade da janela para trabalhar meus membros superiores.

 

29 abril de 2020
Utilizei três extensores: um no membro inferior, outro no superior e o terceiro no centro do corpo. Concentrei-me no impulso da pélvis tendo uma perna fixada, para investigar a relação de oposição pélvis direcionada para cima e uma das pernas direcionada para baixo. 

 

30 abril de 2020
Utilizei dois ganchos e um elástico de 3 metros. No início da experiência, já fixada, ouvi algumas maritacas no telhado da vizinha. Conforme os movimentos adquiriam ritmo ouvi o som de muitas maritacas. Eu as imaginei agitando-se em sintonia comigo. Será que elas me viam? Será que elas percebiam a minha presença? Talvez as maritacas identificaram que eu era uma delas. Que sofrimento! Um andorinha amarrada se debatendo na janela…

 

1 maio de 2020
Ao fim da tarefa diária a que me coloquei (performar por alguns minutos a cada dia durante um mês), terei cerca de 5 horas de gravação: registro de minha experiência com pontos de força na janela, no período de reclusão e isolamento.

 

2 maio de 2020
Preciso encontrar um jeito de amarrar trançado, como se fosse uma teia de aranha, um lugar onde linhas diversas se conectam. Existem variados pontos de apoio no espaço, como em uma rede. A janela, nesta série de performances, é a superfície vertical do espaço (plano), ou seja, todos os pontos de apoio do corpo estão concentrados na janela como se fosse em algo chapado, bidimensional, uma quadro mesmo. Como se o corpo fosse visto pela janela, da janela (referência fixa do espaço), ou seja, todo o corpo se movimenta para ela. O gancho é o que liga o corpo à janela. Ele permite um certo movimento, mínimo. Entender a configuração das tramas da amarração me faz pensar em outras dimensões e possibilidades de ampliar os pontos de apoio no espaço.

 

3 maio de 2020
Estou há uma semana em pesquisa, realizando a captação das experiências transmitidas nas lives que tenho feito diariamente.Tem sido interessante a investigação do corpo fixado, notar a passagem do tempo a partir da janela, experiência que me faz escutar o espaço ao redor, encontrando no ambiente externo da casa parte de mim. Posso me conectar com a rua e perceber a parte da cidade em que estou. Posso imaginar os movimentos das pessoas, dos carros, e a coreografia social do bairro neste momento de profundo isolamento social e reclusão. Posso supor variadas narrativas a partir do som (o som das maritacas, por exemplo). Posso sair do lugar onde estou todos os dias, pois nunca estamos parad@s: o corpo, mesmo em repouso, sempre está em movimento. Talvez, essa pausa tenha sido a conexão que faltava para interagir com o espaço e comigo mesma de outra maneira…

 

4 maio de 2020
Fiz a primeira live noturna, com blusa de frio. Mudei o figurino. Mudei o apoio do movimento por causa da roupa: ela torna a pressão do apoio mais instável do que a pele. A lua foi o cenário real mais incrível de toda a minha vida. Foi público, iluminação, companheira de jornada na janela. Minha respiração ficou mais tranquila. Tudo diferente dos dias em que fiz com a minha pele quase sob o sol do meio-dia. A imagem, no entanto, ficou sem qualidade. A internet caiu diversas vezes. Depois de finalizada uma hora de experiência, verifiquei que apenas vinte minutos foram transmitidos. Por isso pondero realizar a partilha diária em formato breve, divulgado no stories, com imagens já selecionadas, com mais qualidade e momentos mais interessantes da pesquisa, pois fico alguns minutos investigando, e quero compartilhar o que encontrei de mais interessante na pesquisa do dia. Para que o público possa ver os movimentos. 

 

5 maio de 2020
Frames da live de hoje.

 

6 maio de 2020
A janela de alumínio, matéria fria, composta por grades, textura de arcabouço, contém maior possibilidade de trações pelo corpo. Da janela de alumínio fico exposta ao sol e à lua, ao vento e à chuva. Mas hoje fiz a minha primeira experiência na janela de vidro. A janela de vidro, comparada à de alumínio, altera a percepção dos pontos de apoio do corpo, criando novas perspectivas da visão no espaço. Da janela de vidro o céu se achata, o horizonte se amplia, avistam-se pessoas de máscaras. Na janela de vidro tenho condições menores de pontos de força com o gancho, porém são amplificados os aspectos de composição com a paisagem, uma vez que ela fica de frente para a rua. A janela de alumínio e a janela de vidro… Vou continuar a pesquisa em ambas as janelas, sendo para mim a de alumínio predominantemente céu e a de vidro, terra.

 

7 maio de 2020 
Convite para a live de hoje.

 

8 maio de 2020
Frame da live de hoje.

 

9 maio de 2020 
A performance “Compensação por excesso”, realizada em 2018 na SP Arte pelo artista Paul Setúbal trabalha respectivamente deslocamento e transferência de peso entre o performer e a escultura “Coluna vermelha”, de Franz Weissmann. O artista realiza uma ação duracional na qual permanece por mais de 40 horas sustentando a escultura por meio de cordas e ganchos, e o seu corpo enfrenta resistência e equilíbrio de forças opostas. Entende-se por oposição de forças as tensões contrárias de peso. Deslocamento, duração, sustentação, resistência, equilíbrio de forças opostas, uso de cordas e ganchos: todos estes, elementos estruturantes presentes em Gancho. 

 

10 maio de 2020
Frame do vídeo

 

11 maio de 2020
A câmera está posicionada na frente da janela, priorizando a visão frontal. O corpo está fixado por ganchos e elásticos de modo a permitir pouco deslocamento no espaço. Mobilidade limitada no campo de ação do corpo no espaço. Limitação do campo de visão através do enquadramento da câmera fixa. Conforme o movimento acontece, e o corpo se afasta da janela, o quadro ganha volume, por causa das rotas que se fazem para cima e para baixo. Posso me apoiar no vão da janela, enganchar pés e pernas nas grades, virar de ponta-cabeça, apoiar as mãos no chão.

 

12 maio de 2020
Materiais utilizados hoje: elástico, fivela e colete. Com movimentos de pressão durante torções e trações opostas, para não romper o elástico utilizei um colete de segurança com algumas vias de acesso à fivelas fixadas, e fui mudando a fivela do colete para investigar variações de pontos de apoio.

 

13 maio de 2020
Lembrei-me da instalação, Up to and including her limits, da artista americana e multimídia Carolee Schneemann que permanecia durante horas suspensa por uma corda na instalação.  Usava a nudez na arte para concentrar possibilidades libertadoras do corpo feminino na década de 60, questionando hieraquias patriarcais e tabus do corpo feminino.   

 

15 maio de 2020 
Maio é outono, uma estação com cores, desenhos e temperaturas específicas que podemos observar dentro de casa. Durante estes dias de outono testei a performance em diferentes horários do dia, em várias janelas da casa, luz noturna, na luz do meio dia, no amanhecer, mas permaneci semanas na mesma janela sempre as 14h. Criei um roteiro das ações nesses dias, optando pelo horário das 14h, porque a, alteração do ângulo da luz que incide na janela, das 14h ás 15h, possui uma variação maravilhosa de ser observada.

 

16 maio de 2020 
Roteiro de ações

 

13h00: vestir calça, camisa, tênis, amarrar o cabelo, pegar os ganchos, o elástico. 13h30: fazer as amarrações na janela, eventualmente limpar a janela. 14h00: início da performance 14h30: trocar posicionamento, trocar roupa, beber água, trocar as amarrações, prender o cabelo 15h00: finalização 

 

18 de setembro de 2020
Performance realizada na mostra Poesia sobre os escombros. Gancho foi transmitido pelo zoom e pelo facebook na página da mostra.

 

Ficha técnica
Concepção, direção e performance: Thais Ponzoni
Filmagem: Lenon Fernandes (Studio) e Paulinho Mosa (ao vivo)
Edição de texto: João Reynaldo
Fotografia: Isabella Guslinsky e Lenon Fernandes
Apoio: Centro de Referência da Dança de São Paulo e Cooperativa Paulista de Dança integrando o Projeto Transversalidades Poéticas (Poesia sobre o escombros) e Galpão Cortina








foto: Isabela Guslinsky